18.3.12

Eduardo White

                                           E D U A R D O   W H I T E


 

 















 
Escritor moçambicano, Eduardo Costley White nasceu em Quelimane (Moçambique), a 21 de Novembro de 1963. 
O poeta integrou um grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana. Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante. 
Charrua não compreendeu publicações ligadas a qualquer movimento literário. A pluralidade de suas idéias a impedia desse comprometimento restrito: “publicávamos desde o Pessoa até ao Aimé Césaire”. Seu vínculo mantinha-se somente com “um grupo de jovens que queria mostrar o seu trabalho”.
pelo nome a Revista sugeria “uma geração de contestatários” empenhados em confeccionar um veículo literário caracterizado pelas rupturas. Ao desfiar suas lembranças, White reavaliou os intentos dos escritores envolvidos nessa iniciativa: “o que pretendíamos não era bem destruir, mas [...] mexer a literatura estatal [...], desaplaudi-la, criticá-la, mas propondo coisas nossas [...], coisas novas, coisas que nós achávamos naquela altura [...]. Nós como escritores vivíamos num país onde a literatura medíocre era aplaudida: todos os dias via-se no jornal a promoção à literatura do chavão, do viva, [...] da bajulação. E então nós propusemos: vamos escangalhar isso, trazer coisas provocar momentos em que possa vir até nós literatura boa” (WHITE, in: LABAN, 1998, p. 1204-1205 apud Na ponta da pena: Moçambique em letras e cores, Cíntia Machado de Campos Almeida, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006 <www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/AlmeidaCMC.pdf>) 
Apresenta colaboração em imprensa lusófona e é autor dos seguintes livros: 
1984 - Amar Sobre o Índico, Associação dos Escritores Moçambicanos;
1987 - Homoíne,
Associação dos Escritores Moçambicanos;
1989 – O País de Mim,
Associação dos Escritores Moçambicanos (Prémio Gazeta de Artes e Letras da Revista Tempo);
1992 - Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave, Editorial Caminho (Prémio Nacional de Poesia Moçambicana, 1995);
1996 - Os Materiais de Amor seguido de Desafio à Tristeza, Maputo, Ndjira / Lisboa,  Ed. Caminho:
1999 - Janela para Oriente, Ed. Caminho;
2001 - Dormir Com Deus e Um Navio na Língua, Braga, Ed. Labirinto, (bilingue português/inglês; Prémio Consagração Rui de Noronha);
2002 - As Falas do Escorpião, (novela) Maputo, Imprensa Universitária;
2004 – O Manual das Mãos, Campo das Letras
2004 - O Homem a Sombra e a Flor e Algumas Cartas do Interior, Maputo, Imprensa Universitária;
2005 - Até Amanhã, Coração, Maputo, Vertical.
 A sua poesia está exposta no museu Val-du-Marne em Paris desde 1989. Em 2001 foi considerado em Moçambique a figura literária do ano e em 2004 recebe o Prémio José Craveirinha, atribuído pela Associação de Escritores Moçambicanos.
  
Numa preocupação com as origens, Eduardo White tenta na sua poesia reflectir sobre a sua história e sobre Moçambique, numa tentativa de apagar as marcas da guerra e de dignificar a vida humana. Para isso, escreve através de um amor diversificado que pode ser pela amada, pela terra ou mesmo pela própria poesia, sempre num tom de ternura, de onirismo, de musicalidade e, por vezes, de erotismo. (“Eduardo White” in Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2008 <URL: http://www.infopedia.pt/$eduardo-white>) 
Moderníssimo, kafkiano, os seus textos apontam para uma leitura poética metalinguística, ou seja, em que os poemas, ao engendrarem a si mesmos, contam, paralelamente, a história de seu povo (amores, sofrimentos, opressões, miséria, estigmas das guerras, etc.) e a história da própria linguagem literária. (Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante , 2005 <URL: http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/29/Pagina125.htm> 
Empenhado em cantar o Amor, a fim de que a paz se consolidasse nos âmagos individual e nacional, White desenvolveu uma escrita poética que almejou erotizar uma terra acometida pelas degradantes conseqüências de sucessivas guerras. Exaltando a vida e tudo o que dela pulsasse, o poeta exibiu um eu-lírico marcadamente otimista, embora, muitas vezes, melancólico e indignado. […]
Os versos de Eduardo White ultrapassaram o raio de visão do senso comum. Sem perder de vista os escombros, os cadáveres, os mutilados e a miséria, a poética do autor se propôs apontar caminhos e motivações para alcançar uma estabilização social. Nesse sentido, aprendemos com White que Amor e Poesia não significam instituições alienadas ou alienantes, visto que a própria mensagem poética, em O país de mim, nos tenha advertido: “ao amor não ponhas vendas, nunca, nem sequer aos poemas” (WHITE, 1989, p. 20).
“Como explicar que um jovem escritor dê tanta importância ao tema lírico [do amor] num país tão marcado pela violência?” – questionou Michel Laban numa entrevista que integra o livro Moçambique: encontro com escritores. White justificou a seleção de seu material poético, grifando o canto subjetivo como um discurso de resistência e persistência da memória: “Antes de mais nada gostaria de ressaltar que a temática que eu usei nos dois livros11 é acima de tudo uma temática de protesto e também de relembrança. A minha geração é uma geração de guerra: da guerra colonial [...] e agora e sempre a guerra com a Renamo. O que eu procurei é levar ao leitor uma relembrança do que afinal está em nós ainda vivo, do que a gente acredita como sendo possível, como sendo real, que é o amor.” (WHITE, in: LABAN, 1998, p. 1179 apud ALMEIDA, 2006 <www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/AlmeidaCMC.pdf>).
  
Em Amar sobre o Índico, depreendemos um fazer poético obstinado em anunciar a transformação, desnudando o Amor, a fim de apresentá-lo a Moçambique e aos moçambicanos, tornando-o, assim, uma instância confiável tanto à reforma subjetiva quanto à daquela sociedade. Esse livro mostrou-se motivado a enxergar para além da tristeza instaurada em plena guerra civil, alcançando uma paisagem vitalizada, repleta de seres humanos que acreditassem uns nos outros, bem como no princípio amoroso. Paisagem, homem e poesia constituíram um eixo triangular percorrido pelo ânimo positivo desse poema. Reverter o alastramento de Tânatos não compreendeu uma tarefa restrita ao exercício literário. […]
Além de nutrir a paz e promover a desalienação, em O país de mim e Os materiais do amor seguido de O desafio à tristeza, o Amor se revelou elucidativo e, portanto, uma fonte de conhecimento, capaz de promover o despontar da reflexão, proporcionando ao sujeito a abrangência de outras “verdades”.
Percebemos que White desejou operar com o Amor bifurcadamente, almejando que esse estado de alma atuasse na reconstituição da esfera individual fragmentada pelas guerras colonial e civil, com a mesma intensidade com que tendesse ao bem coletivo, ou seja, à estabilização social. (ALMEIDA, 2006 <www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/AlmeidaCMC.pdf>)


ENTRE MAR E CÉU

 

Eduardo White […] em Os Materiais do Amor (1996: 23) metaforiza o amor com as paisagens do mar: “Minha taça secreta, meu cio e minha sedução que pangaios tens nos lábios, com colares e especiarias, que possam levar-me inenarrável, aos mares que emprestas a estas mãos”, e em Janela para Oriente (1999), explora de um outro modo, não a “Indicidade”, mas o “orientalismo”, que corrobora da noção anterior, da lírica moçambicana, convocando-lhe uma re-orientação de imaginários, circum-navegados, na demanda da tão especial “especiaria” que conflui, hibridizada, na cultura moçambicana, em especial, no litoral e no norte. […]
Digamos que as águas e as aves, as asas e as índicas monções, percorrem e habitam o imaginário e as imagens elementais dos poemas nas obras de um grupo significativo de escritores moçambicanos. O ar na sua arquitectura de surpreendentes vôos é “teorizado” num importante livro, que considero fundamental para o desenvolvimento da actual poesia moçambicana: trata-se da obra Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de Ser Ave da autoria, também de Eduardo White, publicado em 1992.
Eduardo White, estreado em 1984 com Amar sobre o Índico, publicou posteriormente, O País de Mim(1989), uma provocatória resposta ao País dos Outros de Rui Knopfli, restabelecendo, tal como Patraquim, o fio condutor de uma tradição poética, através da recriação de um tema, o do país/nação, assumido e interiorizado na lírica, enquanto sujeito que se afirma pela posse erótica da terra, “nacionalizando-a” pelos sentidos, pelo amor e pela paixão.
Este gesto de apropriação do legado literário anterior é um traço característico da poesia moçambicana, como já referimos, que tende a estabelecer redes de referências através de títulos, epígrafes, dedicatórias, citações de versos, criando deste modo um diálogo, em teia ressoante, malha de ecos que se respondem ou interrogam numa tessitura complexa. Assim, encontramos o discurso nativista articulado harmonicamente com o cosmopolita; a poesia moçambicana revela-se como esse tronco-tótem, de que fala o poema Manifesto de José Craveirinha, que se institui em teluricidade maior, radicado no chão da cicatriz colonial, mas que expande, igualmente, a ramagem e adventícias raízes líquidas a demandar aéreos e remotos horizontes. 
“Quando hoje fôr noite podes levar o lume na cintura e a boca a piar. Estende o rosto sobre as estrelas e na cabeça uma constelação sirva de diadema” (PCV, p. 23) 
Esta demanda de um espaço simbólico múltiplo, e culturalmente significante, adequado à diversidade cultural e à especificidade da nação moçambicana, explica-se neste percurso de uma itinerância elemental, em que a viagem do eu lírico, ora se expande pelo mar e seus orientes, ora pelo ar, como é o caso do livro Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de ser Ave de Eduardo White.
O livro abalança-se a vôos de predigitação afirmando, na década de 90, a liberdade maior da poética moçambicana e, simultaneamente, desenvolve uma reflexão sobre os elementos TerralAr, nas suas diversas simbologias, entre as quais a expansão do sonho, da imaginação. Lemos no início do poema de Eduardo White
“No vento e sem milagres sobem as aves pelo ar. Nenhum fogo as suspende. Só o sangue e movimento. Matéria carnal. A casa solar.
É bom o tempo. Deixaram a terra, o raso sabor do chão. Voam e outra engenharia as movera.[...] Tanta amargura que sonhar nos mantém vivos. Eu desejo os pássaros por essa razão, a droga da alegria que os eleva e os suspende, e o que é sonhar senão isso?” (PCV, p. 13) 
As aves, consideradas a personificação do ar, têm a leveza de todas as imagens aéreas que simbolizam, essencialmente, a desmaterialização e a libertação da alma, o sonho e o espírito, transcendência da condição humana, viagem onírica do voo. Enquanto mediadoras entre terra e céu, as aves e o simbolismo das suas asas, que se aliam ao levantar do voo, permitem também, pela vertigem da ascensão, a experiência do sublime: 
“Para onde vamos com tanto vagar, entre estrelas, a luz e o vento? É tão remoto o chão, tão sem memória. (p. 13) Quero esta humilde e real ilusão esta redonda janela intemporal onde o peso se supende, flutua. (p. 17) Uma mão relampeja na casa da escrita. Faísca. Troveja. Procuro um claro instante para a aparição. (PCV, p. 17)
Sucede que tenho para mim a paixão dessa ciência as mecânicas seduções dessa engenharia. Na verdade julgo voar. Ergo a cabeça, os olhos chamejantes, toco a longuíssima garganta do espaço.[...] dá-me a vertiginosa tontura dos cometas, a loucura brilhante das suas cabeças / dá-me aquela secreta mão de Deus / que turbilhante e clandestina os combustiona e acende” (PCV, p. 20). 
Estas imagens da poesia de White que incidem sobre a ascensão, voo e nuvens, reclamam outra oficina de escrita e inscrevem, encenam, a projecção desejada de uma “pátria aérea”, uma pátria-poética, livre. Gaston Bachelard (1978: 93) explica-nos que: “A asa, símbolo de dinamismo, sobrepõe-se aqui ao símbolo da espiritualização; amarrada ao pé não implica necessariamente uma ideia de sublimação, mas sim de libertação das nossas forças criadoras mais importantes: o poeta, assim como o profeta, tem asas quando está inspirado”. 
“Há-de viver este transe, este desejo irrevogável do meu poeta. Há-de ter no inundo a humilde ambição das suas asas, volatilizar distâncias. Há-de suar aqueles lácteos clarões dos sobressaltos, escolher luas, debulhar os sóis há-de arder de febre na sua demência e na sacrálica ilusão do seu universo / eu sei que terá por certeza / por fim / ou por delírio / somente a fértil e mágica natureza / de algum bom verso” (PCV, p. 21) 
Voo criador, alcance do instante da criação, propõem os versos de White ao refazerem um percurso ascensional que, segundo Mircea Eliade (1989: 103) “no plano ritual, do êxtase [...] é susceptível de, entre outras coisas, abolir o tempo e o espaço e de “projectar” o homem no instante mítico de criação do mundo; por conseguinte, de o fazer, de alguma forma, ‘nascer de novo’, tornando-o, contemporâneo do nascimento do mundo.” Este nascimento, na formulação poética de White, é de um espaço outro, pátria poética, casa aérea, expansão sem fim: 
“Atravesso as nuvens, as formas transparentes, a navegável natureza da lã celeste e posso ver um pássaro que passa perto e acenar-lhe com versos. Bom dia, como está? [...] peço licença à poesia, quero-as voando em meus versos e também um mar e dois ou três navios que se achem por perto / e mesmo que desmereça toda a beleza disso / deixai que escreva pois a vontade prevalece e queima.” (PCV, p. 12) 
Centremo-nos, agora, na imagem das nuvens, considerada um meio de transporte para o sonho aéreo, diz ainda sobre elas Bachelard (1978: 219): “o devaneio normal segue a nuvem como uma elevação substancial que culmina na mais alta sublimação, numa dissolução no zénite do céu azul [...]”. As nuvens são consideradas, de entre as imagens aéreas, as mais oníricas e fazem do poeta um sonhador, simultaneamente mestre da temporalidade e da criação.
Na poesia de White, esta gestação de uma “imaginada/inventada” “pátria aérea-poética”, que se “desterritorializa” da terra, para se alimentar da expansividade do céu, estabelece também uma espécie de compensação, relativamente à situação vivida em terra. Com efeito, a época deste livro é a da guerra civil, em que o país se povoava de conflitos desagregadores. A simbolização das nuvens propõe um movimento fraterno e pacífico, evidenciando a aspiração e projecção do sonho, numa espécie de pátria possível entre mar e céu, lugar em que homens e culturas convivem harmoniosamente. Lugar ainda, em que a escrita recria o ser, enquanto sujeito livre de qualquer sujeição telúrica, e o expande em dádiva iluminada, num ilimitado território, nação poética, pátria em voo e navegação.
Nas palavras de Francisco Noa (1998:46), nesta “relação voo / sonho / poesia / navegação / liberdade há uma encenação de embriaguês, um desregramento dionísiaco dos sentidos que conduz o sujeito (e o leitor) para um universo, virtual, onde é possível pessoanamente “experimentar tudo de todas as maneiras”. E a dimensão metapoética que se reconhece em toda esta poesia torna-se uma vasta metáfora da própria literatura que exprime uma maturidade e uma modernidade incontornáveis.” 
“Não faz mal. / Voar é uma dádiva da poesia./ Um verso arde na brancura aérea do papel, / Toma balanço / Não resiste, / Solta-se-lhe / O animal alado./ Voa sobre as casas, / Sobre as ruas, / Sobre os homens que passam, / Procura um pássaro / Para acasalar. / Sílaba a sílaba/ O verso voa.” (PCV, p. 22) 
Ana Mafalda Leite, “Poéticas do Imaginário Elemental na Poesia Moçambicana: entre mar… e céu”
in Literaturas Africanas e Formulações Pós-Coloniais, Lisboa, Edições Colibri, 2003, pp. 156-160.


 
Tenho uma janela amarela virada para Oriente. Docemente e sem assombro. Todos os dias me sento defronte dela para a olhar. E o vento que a bate faz-me um incêndio para escrever, desce devagar a rampa por onde a vou saltar. Minha e sem fim esta natureza fresca dos seus vidros, a luz que por ela é uma magia tão puríssima. Tenho a janela num quarto que amo, unido como o sangue verde do vale que dela eu vejo, dos livros fechados em seus destinos, dos jornais aos montes e sem notícias. O ar deste quarto está de sorrisos e de surpresas, de desgostos que irão viver, cheio de lugares que ainda não sou. Oiço músicas dentro dele, caladas e brancas de repente, oiço cores incessantes e um poeta que pressinto esteja a morrer. Leio as palavras que o são. Frias. Concretas. Óbvias e desertas. E a morte é um murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer. Um sibilar envenenado e arrepiante, um voar rasante e precipitante. A morte desenha-lhe as mãos que daqui posso ver a tremerem. E, por isso, fica o quarto mais cinzento, mais frio, severo como a pedra num deus. (pp.13-14)
[…] 
Levanto-me.
Vou supor-me a resistir. Lentamente até fugir. 
Descubro corridas as cortinas das janelas deste quarto virado para Oriente. Afasto-as, e os olhos navegam pelos telhados das casas lá em baixo. São inúmeras e quadradas. Unidas como se quisessem cuidados umas das outras. Talvez por dentro nem transpirem assim tanta solidariedade. Mas eu penso nas presenças que as tornam vivas e humanas, nas conversas que esconderão, nas crianças debruçadas para o beijo ou para a música, as refeições acesas pelos fogões. Afinal, hoje é domingo e toda a gente é um horizonte de si. Estão felizes com certeza, e se não estão tentam, por decerto terem pouco do que rir noutros dias. O domingo é quase tétrico de nos vermos tão nitidamente. É, no fundo, como a morte onde se prevê aquele poeta. (pp.15-16)
[…] 
Ai, meu grande e belo Médio Oriente de onde vejo África das suas janelas e oiço rugir uma fera nas savanas de Moçambique. Ali que é para onde devo ir. 
Definitivamente regressar. 
Nada nos é belo se for demasiadamente claro. Nada interessará. 
Portanto, arrumo, aqui, as ferramentas deste trabalho, desta paixão que tenho pelas visões que encerro, pelo motor que as leva à minuciosa observação dos espaços. E ainda assim sinto que me pesa tanto inconhecimento, tanta denotada fragilidade. Eu nada sabia desta remota possibilidade, deste lírico fervor que guardo pela imaginação. Gostaria imenso de falar-me disto, destas alegrias pacientes de que sou um exímio fazedor. Como sucedo que olho para o que a pensar direi melhor. (pp.77-78)


Eduardo White, em Janela para Oriente, apresenta um discurso metaliterário, de modo que, logo no início do livro, o poeta declara que o motor da sua inspiração, aquilo que provoca “um incêndio para escrever”, é a ideia de Oriente (o vento que bate).
Depois, o sujeito poético centra a sua atenção sobre si próprio e diz ouvir-se como poeta a morrer, isto é, a atingir um estado-limite da consciência (“oiço […] um poeta que pressinto esteja a morrer”). White sugere, então, dois estados de consciência, já que o sujeito escrevente é aquele que toma consciência do sujeito oculto: “Leio as palavras que o são […]. E a morte é um murmúrio por detrás de tudo o que gritam sem dizer”. Assim, o sujeito poético assume-se como aquele que numa espécie de transe (veja-se a atenção que dá ao valor estupefaciente do cigarro e do álcool ao longo do livro) comunica e dá voz a esse eu interior.
No final do livro, o poeta reafirma-se como “exímio fazedor” de um “lírico fervor que” guarda “pela imaginação”. Eis então especificados os elementos necessários para a escrita literária: “ferramentas deste trabalho”, “paixão”, “visões que encerro”, “minuciosa observação dos espaços”.
A escrita é, portanto, para White, uma tomada de consciência: “Eu nada sabia desta remota possibilidade, deste lírico fervor que guardo pela imaginação”. (José M. A. Carreiro, Março de 2008)
Fonte: Lusofonianosapo.pt